Uma reflexão sobre os paradoxos do trabalho moderno
Ultimamente tenho refletido muito sobre a chamada “evolução” do nosso tempo — essa revolução silenciosa que transformou a forma como vivemos e trabalhamos.
Na minha área, o Direito, essa mudança é especialmente evidente: hoje, basta um computador (ou até um telefone) e uma boa conexão à internet para atender clientes, conduzir processos, participar de reuniões e gerir um escritório inteiro, mesmo estando a milhares de quilômetros de distância.
Essa possibilidade é fascinante. Foi ela que me permitiu emigrar para Portugal, manter meu escritório no Brasil, viajar para diferentes lugares e, ainda assim, continuar exercendo minha profissão. Essa é a essência da liberdade geográfica — poder trabalhar de qualquer lugar, para qualquer lugar, sem estar presa a um ponto fixo no mapa.
Mas há um outro lado dessa mesma moeda.
E é aqui que surge a pergunta que me vem à mente com frequência:
Será que conquistamos a liberdade geográfica, ou apenas trocamos de tipo de prisão — uma “prisão digital”?
Desde que essa liberdade se tornou possível, percebo que nunca mais foi viável tirar férias integrais, aquelas de verdade, de 100% de desligamento.
Aquele velho hábito de “bater a porta do escritório” ou “deixar o recado na secretária eletrônica” e só tratar dos assuntos na volta praticamente desapareceu.
O e-mail segue no bolso, o WhatsApp não silencia, e a sensação de estar sempre “a um clique de distância” acaba nos mantendo permanentemente conectados — e, paradoxalmente, presos.
Vivemos num mundo imediatista, em que tudo precisa ser resolvido para ontem. Todas as demandas e desejos se tornaram urgentes. As pessoas esperam (exigem) respostas rápidas, soluções instantâneas, e se não recebem no tempo que desejam, buscam outro profissional. O digital acelerou tudo — inclusive as expectativas.
E o mais curioso (ou preocupante) é que muitas dessas exigências vêm de pessoas que, na verdade, nem sequer são nossos clientes.
Vivemos a era do “só uma perguntinha”, “pode me esclarecer rapidinho?”, “é só uma dúvida simples” — como se o tempo e o conhecimento não tivessem valor.
O resultado dessa hiperconectividade?
Profissionais exaustos, ansiosos, emocionalmente sobrecarregados.
Um aumento assustador de burnout, ansiedade, depressão… e uma diminuição drástica de paciência e tempo de qualidade com a família (quem nunca respondeu um cliente no meio do jantar que atire a primeira pedra).
Afinal, se estamos sempre disponíveis, será que estamos realmente livres?
Talvez a grande lição dessa “liberdade digital” seja justamente o reaprendizado do limite.
A tecnologia deve ser ferramenta, não corrente.
A liberdade geográfica só será verdadeira quando aprendermos a estabelecer fronteiras — entre o tempo de trabalhar e o tempo de viver, entre o estar online e o estar presente, entre o “responder” e o “respirar”.
Porque, no fim das contas, a verdadeira liberdade não é poder trabalhar de qualquer lugar — é poder parar quando quisermos, sem culpa.
E talvez — só talvez — a próxima grande evolução não seja tecnológica, mas humana: a capacidade de desligar o Wi-Fi, olhar para o céu e lembrar que o modo avião também serve para a alma.





